14
Mai 09
publicado por aquiagorasempre, às 15:22link do post | comentar | ver comentários (6)
Se os nossos olhos te enxergassem,rosa,

E não só:"É uma rosa"nos dissessem

Na vulgar gradação que nunca esquecem,

Que epifania na manhã tediosa!


Se eles vissem ao vê-la,cada coisa

E não seu nome,se afinal pudessem

Fugir da furna abstrata onde destecem

A vida,um morto partiria a lousa


Maçiça de aqui estar.Flor,nuvem,muro,

Árvore,que é uma só e não tal nome,

Se tudo entrasse o corredor escuro


Que há em nós,algo de exato se ergueria

Algo que pára o tempo e o consome,

Que alveja a noite e entenebrece o dia.


(de "Em Sonho")

15
Mar 09
publicado por aquiagorasempre, às 17:41link do post | comentar

A minha vida tornou-se amarga com o teu amor;os teus olhos

Cegam-me,as tuas tranças queimam-me,os teus suspiros profundos

Dividem a minha carne e o meu espírito com um débil som,

E o meu sangue fortalece-se,e as minhas veias transbordam.

Peço-te que não suspires,não fales,não respires;

Deixa que a vida se reduza a cinzas e sonha que não é a morte.

Queria que o mar nos tivesse escondido,o fogo

(Terás tu medo disso e não receias o meu desejo?)

Quebrou os ossos que branqueiam,a carne que se fende,

E deixa que as nossas cinzas joeiradas caiam como folhas.

Sinto o teu sangue contra o meu;a minha dor

Atormenta-te,e os lábios esmagam os lábios,a veia dilacera a veia.

Que o fruto seja esmagado sobre o fruto,e a flor sobre a flor,

Que o seio desperte o seio e ambos ardam uma hora.

Porque hás tu de seguir um amor sem importância?É o teu

Demasiado fraco para sustentar estas minhas mãos e estes meus lábios?

Exorto-te a que apenas por mim,ó tão amada,

Esmagues o amor com teus belos pés cheios de crueldade,

Exorto-te a que afastes teus lábios dos dela ou dos lábios dele,

Tão doces,até que eles sejam mais doces que o meu beijo:

Para que assim eu não atraia,uma andorinha em vez de uma pomba,

Erotion ou Erinna para o meu amor.

Quem dera que o meu amor te matasse;fico saciado

vendo os vivos e de bom grado te queria morta.

Quem me dera a terra tivesse o teu corpo como fruto para comer,

E que nenhuma boca a nãos ser a de uma serpente te achasse doce.

Quem me dera encontrar maneiras cruéis de mandar matar,

Instrumentos violentos e um excessivo fluxo de dor;

Atormentar-te com agonias amorosas e ameaçar

A vida nos teus lábios e deixa-la aí para doer;

Retirar-te a alma com agonias demasiado suaves para matar,

Interlúdios intoleráveis e infinito mal;

Provocar reincidências e relutância do alento,

Melodias mudas e trêmulos murmúrios da morte.

Estou cansado de todas as tuas palavras e da tua estranha afabilidade,

De todas as noites escaldantes de amor e de todos os seus dias,

E de todos os beijos interrompidos,salgados como espuma,

Que lábios trêmulos tornam úmidos com um vinho mais leve,

E olhos mais azuis por todas aquelas horas escondidas

Que o prazer enche de lágrimas e alimenta de flores,

Cruel fogo no coração que principia a penetra-lo,

Mas deixando uma brancura de flor manchada à volta de azul;

A pálpebra inferior ardente,e a superior

Erguida com um sorriso ou confundida com o amor;


(Tradução de Maria de Lourdes Guimarães)


14
Mar 09
publicado por aquiagorasempre, às 18:49link do post | comentar | ver comentários (2)

eu sou como eu sou

pronome

pessoal intransferível

do homem que iniciei

na medida do impossível


eu sou como eu sou

agora

sem grandes segredos dantes

sem novos secretos dentes

nesta hora


eu sou como eu sou

presente

desferrolhado indecente

feito um pedaço de mim


eu sou como eu sou

vidente

e vivo tranquilamente

todas as horas do fim



01
Mar 09
publicado por aquiagorasempre, às 19:13link do post | comentar | ver comentários (1)

Traço,sozinho,no meu cubículo de engenheiro,o plano,

Formo o projeto,aqui isolado,

Remoto até de quem eu sou.

Ao lado,acompanhamento banalmente sinistro,

O ti-tac estalado das máquinas de escrever.

Que náusea da vida!

Que abjeção esta regularidade!

Que sono este ser assim!

Outrora ,quando fui outro,eram castelos e cavalarias

(ilustrações,talvez,de qualquer livro de infância),

Outrora,quando fui verdadeiro ao meu sonho,

Eram grandes paisagens do Norte,explícitas de neve,

Eram grandes palmares do sul,opulentos de verdes.

Outrora...

Ao lado,aompanhamento banalmente sinistro,

O tic-tac estalado das máquinas de escrever,

Temos todos duas vidas:

A verdadeira,que é a que sonhamos na infância,

E que continuamos sonhando,adultos,num substrato de névoa;

A falsa,que é a que vivemos em convivência com outros;

Que é a prática,a útil

Aquela em que acabam por nos meter num caixão

Na outra não há caixões nem mortes.

Há só ilustrações de infância:

Grandes livros coloridos,para ver mas não ler;

Grandes páginas de cores para recordar mais tarde.

Na outra somos nós,

Na outra vivemos;

Nesta morremos,que é o que viver quer dizer.

Neste momento,pela náusea,vivo só na outra...

Mas ao lado,acompanhamento banalmente sinistro,

Se,desmeditando,escuto,

Ergue a voz o tic-tac estalado das máquinas de escrever.









07
Fev 09
publicado por aquiagorasempre, às 09:45link do post | comentar

Inconstância
Procurei o amor, que me mentiu.
Pedi à Vida mais do que ela dava;
Eterna sonhadora edificava
Meu castelo de luz que me caiu!
Tanto clarão nas trevas refulgiu,
E tanto beijo a boca me queimava!
E era o sol que os longes deslumbrava
Igual a tanto sol que me fugiu!
Passei a vida a amar e a esquecer...
Atrás do sol dum dia outro a aquecer
As brumas dos atalhos por onde ando...
E este amor que assim me vai fugindo
ă igual a outro amor que vai surgindo,
Que há-de partir também... nem eu sei quando...
Florbela Espanca

26
Jan 09
publicado por aquiagorasempre, às 12:53link do post | comentar

Eu me pergunto

porque o olhar de Marta

arde como candeia

numa igreja antiga


Não sei mais como gritar

ai,vou consultar cartomante

e quiromante,ler tarô.


Você me devastou,me deixou

esquálido,quadro de São Luis Gonzaga.

A peste ronda e eu grito:não me humilhe

porque preciso te ver com os olhos bem abertos


Marta canta"o amor pregou cravos

no meu coração".

È que ela não conhece as mil luzes

ardendo na noite louca


E assim eu choro,e o tempo passa,

e me joga no chão.

E eu vejo

chaminés da Inglaterra,telhados de Paris.

geleiras do Alaska,boates de Amsterdam,

ruas escuras no mundo,

tempo de dor no planeta.


Ah lótus!

Vênus das pinacotecas

Vou cantarcomo Marta antigamente

"ah esse amor vai me perder"


O que me salva

é digerir a diferença.

Ergo minhas estátuas

longe de seus abraços

enquanto passeio nu pelo pátio

que cobre a nossa distância

de peixes cegos na água escura.


Mas nada é novo,

me espalho pela sua casa

como se fosse um seu irmão

e você que tem escrúpulos

não sabe que o que tolda

a razão,é estar tão escondido

nessa caixa dourada.

(james penido)


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publicado por aquiagorasempre, às 12:30link do post | comentar | ver comentários (1)

A memória da paixão

é um peixe na água turva de um poço


Pêssegos numa cesta

transfiguram sua luz de intocados,

dores espreitam

na porta aberta do desejo


As águas que encontram águas

apanhando os sinais

do escuro e da transparência;

pouco a pouco se fazem em imensidão,

terrores,ausência de peso,de sentido


Pedras rolando no fundo

a espuma do leito escuro,

uma calma medrosa.

Nuvens abrem o sol.Luz.


(james Penido)






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