Há escritores que buscam tentar desvendar,além das palavras,o intricado jogo de espelhos que é a sociedade humana.W(infred) G(eorg) Sebald,escritor alemão nascido em 1944 e falecido prematuramente em um acidente automobilístico em 2001,é um desses mestres que fazem um passeio cáustico pelas loucuras da história e seu encadeamento com nossas próprias vidas.
"Os anéis de Saturno"(1999),é, parafraseando o elogio do crítico do New York Times-"(...)como um sonho que você quer que dure para sempre"(...),ou do The Guardian-"(...)um dos mais notáveis e o mais sublime dos escritores europeus contemporâneos."O título,nada tem a ver com os anéis do planeta Saturno.Em dez capítulos,o narrador faz um passeio pela costa nordeste da Inglaterra,enquanto discorre sobre sua própria vida,a de amigos e passeia também por fatos (muitos deles ignominiosos)da história da humanidade,e por velhos palácios ingleses agora condenados à decadência.E é essa decadência mesma e também a transitoriedade da vida que perpassam o magnífico livro de Sebald.Passando pelo escritor anglo-polonês Joseph Conrad e sua viagem ao Congo do século XIX com os horrores da exploração colonial(de lá para cá parece que pouca coisa mudou),pela história da imperatriz chinesa Tz'u-hsi e sua fúria sanguinária pelo poder,Sebald entrelaça partes que nos mantém com uma ponta de esperança no trajeto humano pelo planeta.A vida do grande poeta inglês Algernon Charles Swinburne,o idílio entre Chateaubriand e Charlotte Ives e ainda Thomas Browne,perpassam a obra em momentos de grande beleza estilística(se é que os 'pós-modernos' me permitem usar essa palavra herética-beleza).O passeio pelas antigas casas senhoriais destruídas pelo tempo e pelo próprio fluir da vida humana,evoca um conceito que parece ser caro a Sebald-a transitoriedade de tudo,que no final das contas nos enobrece,muito mais do que nos enfraquece:tudo realmente passa,não só as pessoas,mas os lugares.
Sombras ilustres perpassam o texto de Sebald:Borges,Kafka,Thomas Browne,Swinburne,Conrad.As fotografias que supostamente ilustram o livro(uma do próprio Sebald),são como um truque irônico para os que buscam 'realismo' à moda antiga(ou atual?). Nessa obra prima dos nossos tempos o realismo não passa de um jogo,um pretexto para a discussão dos nossos próprios dilemas como espécie que se julga superior,da nossa própria vida feita de tantas contradições que se espelham na história e lançam tanto luz quanto sombra aos séculos.
Um dos mais belos e profundos livros(para tentar usar essas palavras tão surradas),que me foram dados ler nos últimos tempos.Uma daquelas obras que perduram dentro de nós por um longo tempo,e que às quais voltamos sempre.Como escreveu um leitor na primeira página do meu exemplar comprado em um sebo-"magnífico,inesquecível,grande obra".