29
Jan 09
publicado por aquiagorasempre, às 09:23link do post | comentar



O garoto que está estirado numa esteira,em um desses apocalípticos campos de refugiados do Sudão,há um bom tempo já quase não se move.A mãe,esquelética,apática,está deitada a seu lado,os olhos enormes e vazios,os seios murchos.Na vila-favela-acampamento ,uma multidão circula.Há cabanas de pau-a -pique,choças de palha,mas a maioria se estende pelo chão mesmo,num burburinho indistinto,em meio ao calor e aos insetos.Inacreditáveis(por deixarem o conforto da "boa " Europa) profissionais do "Medicos sem Fronteiras"circulam em meio às pessoas,olhando um e outro,fazendo o que podem em meio ao caos.È isso mesmo,a velha palavra:o horror,à la Joseph Conrad via Apocalipse now ate o REAL.



De repente,um ronco de motor.Um avião da cruz vermelha sobrevoa o acampamento.O menino e a mãe viram-se na direção do ruído que deve retumbar em seus ouvidos.A enorme cruz de um vermelho berrante pintada no bojo da aeronave significa uma coisa só :possibilidade de comer,e infundir um mínimo de força em corpos exaustos,inanimados,em mentes estáticas e olhos que já viram o inimaginável.Paraquedas soltam caixas de leite em pó,biscoitos,latas de sardinha;presentinhos do ocidente apiedado e nauseado.


Na idade média,o imaginário ocidental era repleto do horror da vinda do "anticristo",para a formação do "império do mal".As constantes epidemias de peste,a fome crônica,a opressão constante e sistemática dos"poderosos",em nada diferem do que grande parte da Africa têm como cotidiano ,,diante do desinteresse,da apatia da Europa,que hoje,imersa na inércia do consumismo e do mercado total(que parece estar agora desmoronando),simplesmente se atem à rétorica estéril e meia dúzia de passeatas de bem intencionados.


Até o fim do século 18,a miséria e a opressão política e religiosa deram o tom na Europa.As cenas goyescas de um desses manuscritos medievais sobre a peste e a fome são assim:filmes modernos.Um parágrafo qualquer do New York Times ou do Le Monde ,documentários escandalizados de estudantes de Oxford,teses de doutoramento da Sorbonne,tours de celebridades a campos de refugiados,enquanto tiram fotos ,afagam bebês,e correm para tomar o avião de volta.Oh my God!É,o infeno pode ser mesmo aqui.Todos os dias lemos reportagens sobre a miséria da África,horrorizados assistimos ao desfilar dos quase-mortos no jornal da noite,Mas dentro de qual filme essas pessoas realmente se situam?O garoto continua deitado na esteira.E a câmera,em rápidos volteios,mostra as caixas de leite em pó,a lama desses absurdos campos.


Estamos cansados de saber de tudo isso.O ocidente precisa abandonar a retórica,a ganância obscena em que está atolado.Bondade e espiritualidade nada têm a ver com acreditar ou não em deus.É preciso aproveitar esse momento caótico (que acho,mal começamos a viver),para mudar o rumo da nossa espécie,como seres em si,pensar no que queremos realmente nos transformar no futuro.

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