E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas,pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco
se misturasse ao som de meus sapatos
que era pausado e seco;e aves pairassem
no céu de chumbo,e suas formas pretas
lentamente se fossem diluindo
na escuridão maior,vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,
a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.
Abriu-se a majestosa e circunspecta,
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável
pelas pupilas gastas na inspecção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar
toda uma realidade que transcende
a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério,nos abismos.
Abriu-se em calma pura,e convidando
quantos sentidos e intuições restavam
a quem de os ter suado os já perdera
e nem desejaria recobrá-los,
se em vão e para sempre repetimos
os mesmos sem roteiro tristes périplos,
convidando-os a todos,em coorte,
a se aplicarem sobre o pasto inédito
da natureza mística das coisas.
(Carlos Drummond de Andrade)