29
Mar 09
publicado por aquiagorasempre, às 12:20link do post | comentar | ver comentários (6)
a Ricardo Vieira Lima

Acorda bem cedo o homem
da casa de telha-vã
e abre janela e porta
como se abrisse a manhã.

E eis que a vida não é mais
nem triste,nem só,nem vã.
É doce:cheira a goiaba
e brilha como romã.

orvalhada.E ele caminha,
o homem,com passos de lã
para em nada perturbar
a quietude da manhã.

Já não há mágoas de perdas
nem angústias de amanhã,
pois a alma que há na calma
entre a goiaba e a romã

é a própria alma do homem
da casa de telha vã,
que declara a noite morta
e acende em si a manhã.

27
Mar 09
publicado por aquiagorasempre, às 10:33link do post | comentar
nascer
é ser novinho em folha
e já deixar cicatriz

viver
é cobrir os outros
de cicatrizes
e ser coberto

mas nem tudo
são cicatrizes

algumas incisões
definitivamente
não se fecham

por isso
aliás
morremos

24
Mar 09
publicado por aquiagorasempre, às 08:58link do post | comentar

Ora,a alegria,este pavão vermelho,

está morando em meu quintal agora.

Vem pousar como um sol em meu joelho

quando é estridente em meu quintal a aurora.


Clarim de lacre,esse pavão vermelho

sobrepuja os pavões que estão lá fora.

É uma festa de púrpura.E o assemelho

a uma chama do lábaro da aurora.


É o próprio doge a se mirar no espelho.

E a cor vermelha chega a ser sonora

neste pavão pomposo e de chavelho.


Pavõs lilás possuí outrora.

Depois que amei este pavão vermelho,

os meus outros pavões foram-se embora.


22
Mar 09
publicado por aquiagorasempre, às 18:26link do post | comentar | ver comentários (2)
Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.

Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.

21
Mar 09
publicado por aquiagorasempre, às 11:32link do post | comentar

Vejo-te em seda e nácar,
e tão de orvalho trêmula,que penso ver,efêmera,
toda a Beleza em lágrimas,

por ser bela e ser frágil.


Meus olhos te ofereço:

espelho para a face

que terás no meu verso,

quando,depois que passes,

jamais ninguém te esqueça.


Então de seda e nácar,

toda de orvalho trêmula,serás eterna.E efêmero

o rosto meu,nas lágrimas

do teu orvalho...E frágil.

14
Mar 09
publicado por aquiagorasempre, às 18:49link do post | comentar | ver comentários (2)

eu sou como eu sou

pronome

pessoal intransferível

do homem que iniciei

na medida do impossível


eu sou como eu sou

agora

sem grandes segredos dantes

sem novos secretos dentes

nesta hora


eu sou como eu sou

presente

desferrolhado indecente

feito um pedaço de mim


eu sou como eu sou

vidente

e vivo tranquilamente

todas as horas do fim



10
Mar 09
publicado por aquiagorasempre, às 09:49link do post | comentar

Vi ontem um bicho

Na imundície do pátio

Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,

Não examinava nem cheirava:

Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,

Não era um gato,

Não era um rato.

O bicho,meu Deus,era um homem.

(Rio,27 de dezembro de 1947)








06
Mar 09
publicado por aquiagorasempre, às 09:39link do post | comentar | ver comentários (1)

Cheguei.Chegaste.Vinhas fatigada

E triste,e triste e fatigado eu vinha.

Tinhas a alma de sonhos povoada,

E a alma de sonhos povoada eu tinha...


E paramos de súbito na estrada

Da vida:longos anos,presa à minha

A tua mão,a vista deslumbrada

Tive da luz que teu olhar continha.


Hoje,segues de novo...Na partida

Nem o pranto os teus olhos umedece,

Nem te comove a dor da despedida.


E eu,solitário,volto a face,e tremo,

Vendo o teu vulto que desaparece

Na extrema curva do caminho extremo.
Observação:-A poesia parnasiana,especialmente a de Olavo Bilac,tem sido objeto de um massacre
da crítica que já dura décadas.Uma pretensa crítica "pós-moderna',que se arrega o direito de interpretar todo o fenômeno literário em termos político-econômicos,sendo que o estético aparece muitas vezes como mero "aspecto alienante-alienado".Eu,por mim,sou um fervoroso devoto do credo estético.Acredito ser uma falácia o fato de não interpretarmos o mundo segundo critérios estéticos.E recuso terminantemente qualquer rótulo de "alienado".Quem sou eu,mas acredito que um Rimbaud,uma Virginia Woolf,um Proust,Joyce,Sebald,Borges,et alii(isso para falar dos maiores) interpretavam o mundo segundo um critério de BELEZA.A política é obviamente importante na vida de qualquer pessoa,mas ao meu ver, política+arte não têm nada em comum.Semprei achei estranho o suposto discurso "pós-moderno" do fim das narrativas,etc.Basta dar uma olhada no noticíario para ver que novas e terríveis narrativas estão surgindo.E acredito que a nossa aventura nesse planeta está,de certa forma, começando (de novo).E quantos recantos da Terra ainda nem conhecem uma mera modernidade?O ocidente deve se lembrar da mais simplória noção de processo histórico-vejam a China,a India e o Brasil(porque não?).Mas voltando ao parnasianismo,é preciso reivindicar a beleza e a modernidade mesma desse movimento,como tantos outros,engolidos pelo lamentável politicamente correto.


20
Fev 09
publicado por aquiagorasempre, às 10:05link do post | comentar | ver comentários (1)



Meu Sonho (Cecília Meireles)

Parei as águas do meu sonho
para teu rosto se mirar.
Mas só a sombra dos meus olhos
ficou por cima, a procurar…
Os pássaros da madrugada
não têm coragem de cantar,
vendo o meu sonho interminável
e a esperança do meu olhar.
Procurei-te em vão pela terra,
perto do céu, por sobre o mar.
Se não chegas nem pelo sonho,
por que insisto em te imaginar ?
Quando vierem fechar meus olhos,
talvez não se deixem fechar.
Talvez pensem que o tempo volta,
e que vens, se o tempo voltar

15
Fev 09
publicado por aquiagorasempre, às 15:55link do post | comentar

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Pelo silêncio que a envolveu, por essa
aparente distância inatingida,
pela disposição de seus cabelos
arremessados sobre a noite escura:
pela imobilidade que começa
a afastá-la talvez da humana vida
provocando-nos o hábito de vê-la
entre estrelas do espaço e da loucura;

pelos pequenos astros e satélites
formando nos cabelos um diadema
a iluminar o seu formoso manto,

vós que julgais extinta Mira-Celi
observai neste mapa o vivo poema
que é a vida oculta dessa eterna infanta.



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Essa pavana é para uma defunta
infanta, bem-amada, ungida e santa,
e que foi encerrada num profundo
sepulcro recoberto pelos ramos

de salgueiros silvestres para nunca
ser retirada desse leito estranho
em que repousa ouvindo essa pavana
recomeçada sempre sem descanso,

sem consolo, através dos desenganos,
dos reveses e obstáculos da vida,
das ventanias que se insurgem contra

a chama inapagada, a eterna chama
que anima esta defunta infanta ungida
e bem-amada e para sempre santa.



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Essa infanta boreal era a defunta
em noturna pavana sempre ungida,
colorida de galos silenciosos,
extrema-ungida de óleos renovados.

Hoje é rosa distante prenunciada,
cujos cabelos de Altair são dela;
dela é a visão dos homens subterrâneos,
consolo como chuva desejada.

Tendo-a a insônia dos tempos despertado,
ontem houve enforcados, hoje guerras,
amanhã surgirão campos mais mortos.

Ó antípodas, ó pólos, somos trégua,
reconciliemo-nos na noite dessa
eterna infanta para sempre amada.

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