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HELENA

No cômodo onde Menelau vivera
Bateram. Nada. Helena estava morta.
A última aia a entrar fechou a porta,
Levavam linho, ungüento, âmbar e cera.

Noventa e sete anos. Suas pernas
Eram dois secos galhos recurvados.
Seus seios até o umbigo desdobrados
Cobriam-lhe três hérnias bem externas.

Na boca sem um dente os lábios frouxos
Murchavam, ralo pêlo lhe cobria
O sexo que de perto parecia
Um pergaminho antigo de tons roxos.

Maquiaram-lhe as pálpebras vincadas,
Compuseram seus ossos quebradiços,
Deram-lhe à boca uns rubores postiços,
Envolveram-na em faixas perfumadas.

Então chamas onívoras tragaram
A carne que cindiu tantas vontades.
Quando sua sombra idosa entrou no Hades
As sombras dos heróis todas choraram.

De Lucernário (1993)

publicado por aquiagorasempre, às 10:15link do post | comentar





Nick se mudara para a grande casa branca dos Fedden em Notting Hill havia poucas semanas. Seu quarto ficava no sótão, que continuava a ser o espaço das crianças, com os segredos e a rebeldia dos adolescentes pairando no ar. O quarto muito bem-arrumado de Toby ficava no alto da escada, o de Nick logo abaixo da clarabóia e o de Catherine na outra extremidade; Nick não tinha irmãs ou irmãos, mas se considerava ali o filho do meio. Foi Toby quem o levou para lá durante umas férias a fim de que ele passasse uma “temporada” em Londres, longe de sua família bem menos glamourosa, e a presença seminua do amigo ainda dominava a passagem do sótão. O próprio Toby talvez não soubesse por que ele e Nick eram amigos, mas aceitava de boa vontade essa amizade. Depois que eles se formaram em Oxford, Toby raramente estava em casa, e Nick passou a ser considerado como um amigo pela irmã caçula e pelos pais hospitaleiros. Um amigo da família. Alguma coisa em Nick lhes dizia que ele era confiável, uma gravidade, uma certa elegância tímida, algo não muito aparente para ele próprio, que fez com que a família concordasse em aceitá-lo como inquilino. Quando Gerald venceu em Barwick, eleitorado natal de Nick, o acontecimento foi aclamado jovialmente por ter a lógica da poesia ou do destino.
(...)
Na sua primeira visita a Kensington Park Gardens ele foi recebido por Toby, que o deixou sozinho na casa e avisou que sua mãe chegaria logo depois. Quando Nick ouviu a porta da frente abrir e fechar, desceu e apresentou-se à senhora bem apessoada, de cabelo preto, que organizava a correspondência no hall. Falou animadamente sobre o retrato que tinha visto na sala de estar, e só depois de algum tempo, ao ver o sorriso de deferência da mulher e ao perceber seu forte sotaque, é que compreendeu que não estava falando com a respeitável Rachel e sim com a governanta italiana. É claro que não havia nada de errado em trata-la com tanta delicadeza, e as opiniões de Elena sobre Guardi eram provavelmente tão interessantes quanto as de Rachel e mais que as de Gerald, mas aquele momento que ela parecia lembrar como algo encantador, Nick evocava como uma pequena gafe.
Mesmo assim, sentado no banco ao lado de Toby, sentindo nele o cheiro de sabonete e café, encostando ligeiramente seu joelho no dele para pegar o açúcar, Nick sentiu que tinha tido sucesso. Isso acontecera um ano atrás, e agora era uma lembrança rica em associações. Pegou a agenda que mal tinha sido olhada e passou a mão na capa macia, como que para compensar o descaso de Toby com o presente, e também, de forma remota, como se estivesse alisando uma parte cabeluda e quente do amigo. Toby estava falando em ser jornalista, e aquele presente era quase um insulto, uma tentativa relapsa, revelando nos pais um senso de mero dever que o alto preço do presente disfarçava. A agenda não abria totalmente, e alguns endereços ou “idéias” a teriam completado. Era difícil imaginar Toby usando-a em uma fila de piquete ou acotovelando-se para conseguir uma resposta de um ministro rodeado de câmeras.
- Você deve ter ouvido o falatório sobre Maltby, é claro - disse Toby.
Imediatamente Nick sentiu o ar da sala começar a formigar, como no início de uma reação alérgica. Hector Maltby, um assessor do ministro das Relações Exteriores, tinha sido apanhado com um garoto de programa no seu Jaguar, no castelo de Jack Straw. Renunciara rapidamente ao posto e, ao que parecia, ao seu casamento. O caso fora veiculado em todos os jornais na semana anterior; era uma bobagem Nick sentir vergonha daquilo, corando como se ele próprio tivesse sido apanhado no Jaguar. Muitas vezes, quando o assunto do homossexualismo vinha à baila, e mesmo na cozinha tolerante dos Fedden, ele ficava apreensivo quanto ao que poderia ser dito - algum insulto indireto que tivesse de engolir, uma brincadeira de mau gosto. Mesmo o caso absurdo do gordo Maltby, uma caricatura do “novo” Tory ganancioso, parecia ser uma alusão ao seu próprio caso velado; numa breve crise de paranóia, parecia levantar suspeitas sobre seu interesse pela linda perna bronzeada de Toby.
- O bobão do Hector - disse Gerald.
- Não ficamos assim tão surpresos - ponderou Rachel, com sua ironia característica.
- Vocês o conheciam? - perguntou Toby, no seu novo estilo de “entrevista”.
- Um pouco - respondeu Rachel.
- Não muito bem - disse Gerald.






















publicado por aquiagorasempre, às 10:11link do post | comentar

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