05
Mai 09
publicado por aquiagorasempre, às 14:13link do post | comentar | ver comentários (6)
Entre mim e mim,há vastidões bastantes
para a navegação dos meus desejos afligidos.

Descem pela água minhas naves revestidas de espelhos.
Cada lâmina arrisca um olhar,e investiga o elemento que a atinge.

Mas,nesta aventura do sonho exposto à correnteza,
só recolho o gosto infinito das respostas que não se encontram.

Virei-me sobre a minha própria existência,e contemplei-a.
Minha virtude era esta errância por mares contraditórios,
e este abandono para além da felicidade e da beleza.

Ó meu Deus,isto é a minha alma:
qualquer coisa que flutua sobre este corpo efêmero e precário,
como o vento largo do oceano sobre a areia passiva e inúmera...

(Cecília Meireles)

07
Abr 09
publicado por aquiagorasempre, às 08:46link do post | comentar | ver comentários (2)
Não é o de Blake,em chamas
nem o que entreviu Borges
através das barras,talvez até
impressas no pêlo,temperando
o ouro do ataque e do remanso
interrompido pelas tiras de sombra
indo e vindo,entre o mel e a fera.
Mas o que sobrou na Ásia ou África
-fogueira sozinha se extinguindo
em sua fúria e instinto sem a mão
que contorne a ferocidade da garra
e do olhar extremo,ou a lembrança
do seu nobre metal aceso,sol aberto
mesmo dentro da cegueira,agora
cada vez mais riscado e escurecido
pelas linhas do grafite e do carvão.

03
Abr 09
publicado por aquiagorasempre, às 09:00link do post | comentar

Clarice

Veio de um mistério,partiu para outro.

Ficamos sem saber a essência do mistério.

Ou o mistério não era essencial.Essencial

Era Clarice viajando nele.


Era Clarice bulindo no fundo mais fundo,

onde a palavra parece encontrar

sua razão de ser,e retratar o homem.


O que Clarice disse,o que Clarice

viveu para nós

em forma de história

em forma de sonho de história

em forma de sonho de sonho de história

(no meio havia uma barata ou um anjo?)

não sabemos repetir nem inventar.

São coisas,são jóias particulares de Clarice,

que usamos de empréstimos,ela é dona de tudo.


Clarice não foi um lugar -comum,

carteira de identidade,retrato.

De Chirico a pintou?Pois sim.

O mais puro retrato de Clarice

só se pode encontrá-lo atrás da nuvem

que o avião cortou,não se percebe mais.


De Clarice guardamos gestos.Gestos,

tentativas de Clarice sair de Clarice

para ser igual a nós todos

em cortesia,cuidados materiais.

Clarice não saiu,mesmo sorrindo.

Dentro dela

o que havia de salões,de escadarias,

de tetos fosforecentes e longas estepes

e zimbórios e pontes do Recife em bruma envoltas

formava um país,o país onde Clarice

vivia,só e ardente,construindo fábulas.


Não podíamos reter Clarice em nosso chão

salpicado de compromissos.Os papéis,

os cumprimentos falavam em agora

em edições,possíveis coquetéis

à beira do abismo.

Levitando acima do abismo Clarice riscava

em sulco rubro e cinza no ar e fascinava-nos.

Fascinava-nos apenas.

Deixamos para compreendê-la mais tarde.

Mais tarde um dia...saberemos amar Clarice.

(Carlos Drummond de Andrade)

26
Mar 09
publicado por aquiagorasempre, às 09:57link do post | comentar | ver comentários (2)
O hábito de estar aqui agora
aos poucos substitui a compulsão
de ser o tempo todo alguém ou algo.

Um belo dia(por algum motivo
é sempre dia claro nesses casos)
você abre a janela,ou abre um pote

de pêssegos em calda,ou mesmo um livro
que nunca há de ser lido até o fim
e então a idéia irrompe,clara e nítida:

É necessário?Não.Será possível?
De modo algum.Ao menos dá prazer?
Será prazer essa exigência cega

a latejar na mente o tempo todo?
Então por quê?
E neste exato instante
você por fim entende,e refastela-se

a valer nessa poltrona,a mais cômoda
da casa,e pensa sem rancor:
Perdi o dia,mas ganhei o mundo.

(Mesmo que seja por trinta segundos)

08
Mar 09
publicado por aquiagorasempre, às 19:58link do post | comentar
Essa infausta alegria
de não sermos os únicos:
os que tudo almejam.
Esse caminho que leva
não a tesouros dourados,
mas às rutilantes sombras
dos sonhos
Essa glória que não é outra
senão a que tropeçando,
procuramos:
navios que encalham,salva-vidas
que nos jogam
Esse momento infinito
de sempres e agoras completo
em um único girar de roda;
Assim vivemos dentro de nós,
eu,um outro,alguns,
nesse agora que nos leva para
onde,não sei.
(james Penido)
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15
Fev 09
publicado por aquiagorasempre, às 15:55link do post | comentar

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Pelo silêncio que a envolveu, por essa
aparente distância inatingida,
pela disposição de seus cabelos
arremessados sobre a noite escura:
pela imobilidade que começa
a afastá-la talvez da humana vida
provocando-nos o hábito de vê-la
entre estrelas do espaço e da loucura;

pelos pequenos astros e satélites
formando nos cabelos um diadema
a iluminar o seu formoso manto,

vós que julgais extinta Mira-Celi
observai neste mapa o vivo poema
que é a vida oculta dessa eterna infanta.



--------------------------------------------------------------------------------

Essa pavana é para uma defunta
infanta, bem-amada, ungida e santa,
e que foi encerrada num profundo
sepulcro recoberto pelos ramos

de salgueiros silvestres para nunca
ser retirada desse leito estranho
em que repousa ouvindo essa pavana
recomeçada sempre sem descanso,

sem consolo, através dos desenganos,
dos reveses e obstáculos da vida,
das ventanias que se insurgem contra

a chama inapagada, a eterna chama
que anima esta defunta infanta ungida
e bem-amada e para sempre santa.



--------------------------------------------------------------------------------

Essa infanta boreal era a defunta
em noturna pavana sempre ungida,
colorida de galos silenciosos,
extrema-ungida de óleos renovados.

Hoje é rosa distante prenunciada,
cujos cabelos de Altair são dela;
dela é a visão dos homens subterrâneos,
consolo como chuva desejada.

Tendo-a a insônia dos tempos despertado,
ontem houve enforcados, hoje guerras,
amanhã surgirão campos mais mortos.

Ó antípodas, ó pólos, somos trégua,
reconciliemo-nos na noite dessa
eterna infanta para sempre amada.

03
Fev 09
publicado por aquiagorasempre, às 10:07link do post | comentar

Aqueles oceanos de dor que me arrastaram para longe
certamente não me deixaram uma marca
de feliz fortuna
Ah flores,dias de infelicidade!

Mas quando vejo as mil faces desse dia
ao redor de mim,
meus passos ressoam com clareza.
há esses espelhos em que nos miramos

Dias de quase felicidade:o que queremos vive
e cresce em nós.
A chave das dores ,nós a agarramos
num piscar de olhos.
Tudo é agora,a benfazeja luz da madrugada
nos saúda,mais uma vez.

O que queremos é o toque real,como
aqueles belos filmes que só nos sonhos
nos são dado ver.

(jamesPenido)

publicado por aquiagorasempre, às 09:21link do post | comentar





Axes



after



whose stroke the wood rings,



and the echoes!



Echoes travelling



Off from the centre like horses






The sap



Wells like tears,like the



water striving



to re-establish its mirror



over the rock






That drops and turns,



A white skull,



Eaten by weedy greens.



Years later I



Encounter them on the road-






Words dry and riderless,



The indefatigable hoof-taps.



while



From the bottom of the pool,fixed stars



govern a life.









Golpes



de machado que fazem soar a madeira,



E os ecos!



Ecos partindo



Do centro como cavalos.






A seiva



Jorra como lágrimas,como a



Água lutando



Para repor seu espelho



sobre a rocha






Que cai e vira,



Um crânio branco



comido por ervas daninhas.



Anos depois



as encontro a caminho-






Palavras secas e sem rédeas,



infatigável bater de cascos.



Enquanto



Do fundo do poço,estrelas



Governam uma vida.



(Sylvia Plath-tradução de Ana Cristina Cesar)






















02
Fev 09
publicado por aquiagorasempre, às 09:47link do post | comentar

Passou?

Minúsculas eternidades

deglutidas por mínimos relógios

ressoam na mente cavernosa


Não,ninguém morreu,ninguém foi infeliz.

A mão-a tua mão,nossas mãos-

rugosas têm o antigo calor

de quando éramos vivos.Éramos?


Hoje somos mais vivos do que nunca.

Mentira,estarmos sós.

Nada,que eu sinta,passa realmente.

É tudo ilusão de ter passado.

(Carlos Drummond de Andrade)


publicado por aquiagorasempre, às 09:26link do post | comentar

Cachoeiras transbordam
ao longo das estradas
Mil marcas caminhando com os dias.
Ouço um refrão de rap baixo.

Na solidão de um ônibus
que passa roçando árvores,
com barulho de corredeira e
o dia que se esvai devagar,
Eu digo:sim.Agora sei
como tudo está difícil e cortante.
Sinceros medos são veredas
numa terra onde ninguém vai.

Uma moça fala quase sussurrando,
outra vai imóvel,flores na blusa;
tudo se sacode numa curva.
E essa claridade que tudo envolve.
Ah luz sinuosa,crepe
da China enrolado no banco de trás,
voz insinuada numa fresta de janela.
Rios se vão,separando verdes,galhos
se tocam,folhas brilhantes de espuma,
clara luz é um rosto aberto.

E vamos continuar a disputar os conceitos,
rabiscar os poemas,tirar da jaula o abutre,
parar no entretretrecho,
voz presa,pessoas sentadas
num ônibus do Brasil.

Vem chegando o escuro
mas há um pisca-pisca ondulante.
Ainda passarinhos,ainda chavões,
jargões,lugares comuns.


Entreve-se uma cachoeira,
espiral de pedra,brancura da água
ao longe.
O rádio toca uma toada recitada.
Achados e perdidos,correio sentimental.
Sinuosismos?Quero descobrir agora outros sabores.

(James Penido)

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